A noite estava fria. Lá fora, os flocos de neve ameaçavam cair a todo o instante. A lareira, acesa, crepitava espalhando sombras pelas mobílias amontoadas na sala. Cada recanto daquela divisão tinha um lugar na história de Carmim. E na sua história com Ludovico. Cada fotografia trazia-lhe à memória os tempos passados, as risadas cristalinas que ecoavam pelo ar em dias quentes de Verão, os afagos, os olhares cúmplices trocados. Nesta noite, tão especial e diferente de todas as noites de todos os anos que se passaram, Carmim travava forçosamente uma lágrima teimosa.
"Faz hoje 35 anos. É muito tempo. Tanto... e no entanto parece que tudo aconteceu ontem".
Recordou a noite de Natal que tinham passados juntos em Edimburgo. Fria como a de hoje, com a neve a ameaçar uma visita. Ludovico lia degustando uma chávena de "mulled wine". Carmim sentia o aroma do vinho quente com especiarias que preenchia o ar e quase abafava o sabor do seu chocolate quente.
"Quanto tempo é muito tempo?"
Embrenhada nos novelos de pensamentos, dirigiu-se à cozinha de forma inconsciente, como que guiada por aquele que, não estando presente, era presença habitual. Numa panela que estava esquecida ao lume juntou água, açúcar amarelo, cacau e especiarias. Quando a mistura levantou fervura, os seus olhos pousaram no chocolate negro abandonado no balcão. Adicionou-o, mexendo lentamente, como se em cada gesto o passado regressasse. Sentiu o aroma das clementinas amadurecidas na fruteira. Não lhes resistiu. Cortou uma ao meio e deixou-a mergulhar na panela. Ao tactear para encontrar outra, os seus dedos rasparam ao de leve no vaso de rosmaninho, e um pequeno ramo encontrou o caminho para o caldo fumegante.
Carmim parou. Faltava-lhe algo. Os olhos percorram a cozinha de pedra. Os utensílios prateados brilhavam na meia-luz, entre-cortados por latas de chás, vasos de ervas e cestos de frutas. Os frascos de compotas e doces empilhados no fim do longo balcão de mármore negra escondiam um rubi cor de sangue que reluzia na trémula luz de uma vela. Carmim aproximou-se.
"Quanto tempo é muito tempo?"
"O tempo que temos nunca é demais."
Aquela garrafa de vinho tinha 35 anos. E era o que procurava.
Esperou que o vinho conquistasse o chocolate e as especiarias, libertando um perfume inebriante. Quando a temperatura estava perfeita - "nem muito quente, nem muito fria" - mergulhou uma colher de sopa e encheu uma chávena. Bebeu um tímido gole. E sentiu a paz. O conforto. O abraço que tanto tinha demorado a chegar.
"O teu vinho e o meu chocolate são um só. Assim como nós..."
Chocolate quente de vinho com especiarias
(adaptado de Paul A. Young)
500ml de água
400g de açúcar amarelo
200g de cacau em pó
2 paus de canela
5 estrelas de anis
8 grãos de cravinho
16 grãos de pimenta rosa
500g de chocolate negro
2 clementinas abertas ao meio
1 raminho de rosmaninho
1 garrafa de bom vinho tinto
Colocar a água, o açúcar, o cacau e as especiarias numa panela. Deixar levantar fervura. Retirar do calor e adicionar o chocolate, mexendo até estar totalmente incorporado. Adicionar a fruta e o rosmaninho, deixando em infusão durante 10 mins. Juntar o vinho e servir quente mas sem deixar ferver.
Com esta receita participo no passatempo Chocolate e Picante: Um desafio de receitas com histórias dentro, promovido pelo blog Gourmets Amadores em conjunto com Casa das Letras do grupo Leya.
hum bem quentinho para beber junto à lareira ...
ResponderEliminarOlha que reconfortante este chocolatinho quente, já marchava eheheh
ResponderEliminarBeijinho
hummm chegou aqui o cheirinho hummm que maravilha com este frio até que ia gostei beijinhos
ResponderEliminarOi Ondina,
ResponderEliminarSenti o aroma aqui.
Parabéns pela receita!
Bj,
Lylia
Ondina,
ResponderEliminarQue belissima participação. A estória e o chocolate. Acho que até sinto o chocolate quente a aquecer-me num dia frio. Adorei.
Beijinhos
Nunca provei, mas deve sem dúvida aquecer o corpo e a alma...
ResponderEliminarBeijinhos
Belinha
Mundo das Receitas
http://mundodasreceitas.blogspot.com/
Ondina, obrigado pela visita e pelo comentário no meu blog.
ResponderEliminarMuitos parabéns aqui pelo teu espaço, está muito apetitoso!
Aqui está um chocolate quente "poderoso"! (he he)
ResponderEliminarFiquei muito curiosa quanto ao sabor, gostava de provar.
Beijinhos
hummmmmmm :) traz a garrafa de 35 anos e deixa la chocolate eheheh
ResponderEliminarUm conforto para a alma bem representado através de um chocolate quente. Quanto à história, um encanto de vivências minuciosas.
ResponderEliminarGostei muito.
Boa sorte para o passatempo.
Infelizmente termina amanhã e neste momento ando atarefadíssima com afazeres profissionais, mas fico com pena de não participar também.
Um beijinho
Patrícia
Que bela participação! Parabéns.
ResponderEliminarUm beijinho.
Bela ideia esta que apresentas!
ResponderEliminarBoa sorte!
Olá Ondina,
ResponderEliminargostei muito da tua história e do tua receita. São deliciosas.
Um beijinho.
Entre vinho, especiarias, chocolate e memórias gustativas, tenho dificuldade em dizer do que gosto mais. É uma combinação feita no céu! Muito obrigada pela participação no desafio de receitas com histórias dentro. :)
ResponderEliminarUm beijo*
Uma história quente e temperada como o chocolate! Parabéns!
ResponderEliminarHoje, apeteceu-me parar de corrigir teste e ir cozinhar qualquer coisa para participar neste passatempo, mas a razão falou mais alto :)
Boa sorte.
Beijinhos
Bonita história e a receita apropriada para um dia como o de hoje em Lisboa. Brrrrr!
ResponderEliminarO tempo nunca é mesmo demais. Pricnipalmente quando sabe a chocolate. :)
ResponderEliminarBjs